Chegamos ao Tempo da Criação com o pensamento ensombrado por imagens de catástrofes naturais, a que acrescem múltiplos conflitos armados e o fluxo de migrantes em desespero. É perturbador. E então?

 

AlejandroPiñeroAmerio-Pixabay

Então, cai como sopa no mel o tema deste ano ‒ «Que a justiça e a paz fluam» ‒, se o tomarmos como uma motivação que nos ponha em movimento. Ela é proposta a cada um de nós e a todos, pois é juntos que podemos realizar mudanças que contrariem a crescente desarmonia na criação. Antes de mais, aqui ficam algumas mensagens que tocam o nosso coração e ajudam a traçar um caminho de conversão para uma ecologia integral.

O texto a que damos primazia neste arranque do Tempo da Criação, é a mensagem do Papa para o dia 1 de setembro, que desenvolve o tema que se inspirou num trecho do livro do profeta Amós: «Jorre a equidade como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca» (5, 24). E, recomenda Francisco, «esta justiça não se deve esconder demasiado em profundidade, nem desaparecer como a água que evapora antes de poder sustentar-nos, mas deve surgir onde houver necessidade».

Quando buscarmos antes de tudo o Reino dos Céus (cf. Mt 6, 33), mantendo uma justa relação para com Deus, a humanidade e a natureza, então a justiça e a paz poderão jorrar como torrente inexaurível de água pura, vivificando a humanidade e todas as criaturas.

O Papa dá-nos uma imagem delicada que apela à nossa sensibilidade, de todos os nossos sentidos: «imerso na criação, há outro batimento que podemos escutar: a palpitação materna da terra. […] o pulsar do coração da criação e do coração de Deus.» E recomenda ainda:

Ouçamos, pois, o apelo a permanecer ao lado das vítimas da injustiça ambiental e climática, pondo fim a esta guerra insensata contra a criação.

Mais adiante, Francisco diz que «devemos decidir-nos a transformar os nossos corações, os nossos estilos de vida e as políticas públicas que regem a nossa sociedade.

O coração deve guiar-nos no «respeito ecológico nas quatro vertentes: para com Deus, para com os nossos semelhantes de hoje e de amanhã, para com toda a natureza e para com nós próprios». E desse modo, como explica, apercebemo-nos de que

Criação e Redenção são inseparáveis.                                                                       .

Para repensar e os nossos estilos de vida, compreendendo o que serão «pecados ecológicos», há, decididamente, que optar por «menor desperdício e menos consumos inúteis», para que «todos possam estar melhor: os nossos semelhantes, onde quer que se encontrem, e também os filhos dos nossos filhos.

Contribuamos para esta criação contínua de Deus através de opções positivas.    

Das políticas públicas que são determinantes para a vida dos jovens de hoje e de amanhã, são notórias as políticas económicas, que promovem afinal o enriquecimento desmedido de poucos, deixando tantos em condições degradantes. E, assim, «decretam o fim da paz e da justiça». Perto do fim deste ano, realiza-se a, no âmbito das Nações Unidas, a COP28 e o Papa pede mudanças eficazes, que não podem continuar a ser adiadas, dirigindo-se aos líderes mundiais, mas sugerindo também um concreto exercício de cidadania por parte de «todas as pessoas de boa vontade».

Levantemos a voz para deter esta injustiça para com os pobres e os nossos filhos, que sofrerão os impactos piores da mudança climática. Apelo a todas as pessoas de boa vontade para agirem de acordo com estas orientações acerca da sociedade e da natureza.

O Tempo da Criação vai terminar a 4 de Outubro que é a data da abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade. Francisco sugere-nos mais uma imagem plena da poesia da criação ‒ «os rios que são alimentados por mil ribeirinhos e torrentes maiores» ‒ para convidar todos «a nível pessoal e comunitário, a convergirem num majestoso rio de reflexão e renovação».

Todo o Povo de Deus está envolvido num abrangente caminho de diálogo sinodal e conversão.

Como um rio é fonte de vida para o ambiente que o rodeia, assim a nossa Igreja sinodal deve ser fonte de vida para a casa comum e quantos nela habitam.

Todos – todos! – somos peregrinos a caminho.                                                             .  

Que o Espírito Santo continue a pairar sobre as águas e nos guie para renovar a face da terra (cf. Sal 104, 30).

[A mensagem pode ser lida na íntegra aqui]

 

Na Audiência de 30 de agosto, o Papa reiterou o seu apelo:

Depois de amanhã, 1 de setembro, celebrar-se-á o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, inaugurando o “Tempo da criação”, que durará até 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. Naquela data, tenciono publicar uma Exortação, uma segunda Laudato si’. Unamo-nos aos nossos irmãos e irmãs cristãos no compromisso de cuidar da criação como dom sagrado do Criador. É necessário que nos coloquemos ao lado das vítimas da injustiça ambiental e climática, esforçando-nos por pôr fim à guerra insensata contra a nossa Casa comum. Exorto todos a trabalhar e a rezar a fim de que ela volte a ser abundante de vida.

 

Da Europa, também vem, do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e da Conferência das Igrejas Europeias (CEC), uma declaração conjunta que recomenda especial atenção às «vítimas de diversas formas de injustiça ambiental». E exorta-se a um compromisso sério:

A oportunidade de criar um modo de vida mais equitativo e sustentável para toda a humanidade depende do nosso compromisso de proteger a nossa casa comum, mudando o nosso estilo de vida, promovendo a temperança e a sobriedade no uso dos recursos que são um presente de Deus para nós.

E porque «o símbolo espiritual deste ano é um rio caudaloso; é a água, […] sinal de vida e de purificação», salienta-se:

A água, no entanto, não é acessível com segurança a todos, embora seja tão essencial para a sobrevivência humana. Muitas pessoas ainda não têm acesso a água potável; outros tiveram recentemente de fugir das suas aldeias devido à seca. Muitos dos nossos irmãos em todo o mundo são obrigados a repetir as palavras de Jesus: “Tenho sede” (cf. Jo 19,28). Outros ainda tiveram de fugir devido a inundações, quer por causas naturais quer provocadas pelo homem.

Há um caminho espiritual que se oferece a cada um, assente numa «relação de confiança com Deus»:

Neste tempo de oração e conversão, lembremo-nos de que Deus deseja que cada um de nós se comporte de forma justa e pacífica em todas as situações da vida. Se tivermos uma relação de confiança com Deus, com os nossos irmãos e irmãs e com a natureza, então a justiça e a paz eficazes fluirão abundantemente entre nós.

A mensagem completa foi publicada pelos Unisinos aqui.

 

Share