Um dia para desinstalar de ideias feitas e assumir a responsabilidade, individual e comunitária, de modo a gerar acções portadoras de esperança e fecundas de mudança.

 

O Dia Mundial dos Pobres, celebrado no domingo anterior ao de Cristo Rei, o último do ano litúrgico, deixou este ano um acervo de textos de reflexão, de testemunhos e de pistas de acção que vale a pena revisitar. Contêm recomendações e desafiam-nos de forma particularmente acutilante ao pensarmos na retoma, de que tanto se fala por todo o mundo, juntamente com as medidas que se impõem perante as alterações climáticas. A pobreza tem aumentado, mas não parece causar suficiente inquietação e fica mais perto de se  reduzir a tema de mais um “dia mundial de…” – e todos voltamos ao business as usual.

Para contrariar este descaso, aqui ficam algumas sugestões:

 

A mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres de 2021: Sempre tereis pobres entre vós (Mc 14, 7)

Segundo Marcos, foram palavras de Jesus no episódio da unção de Betânia: «Sempre tereis pobres entre vós e podereis fazer-lhes bem quando quiserdes.» O papa Francisco desenvolve esta ideia:

Não O encontramos quando e onde queremos, mas reconhecemo-Lo na vida dos pobres, na sua tribulação e indigência, nas condições por vezes desumanas em que são obrigados a viver. (2)

Os pobres não são pessoas «externas» à comunidade, mas irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha, para abrandar o seu mal e a marginalização, a fim de lhes ser devolvida a dignidade perdida e garantida a necessária inclusão social. (3)

Servir eficazmente os pobres incita à ação e permite encontrar as formas mais adequadas para levantar e promover esta parte da humanidade, demasiadas vezes anónima e sem voz, mas que em si mesma traz impresso o rosto do Salvador que pede ajuda. (7)

Francisco refere com severidade atitudes que denotam total ausência de fraternidade:

[…] formas de desordem moral e social que sempre geram novas formas de pobreza. Parece ganhar terreno a conceção segundo a qual os pobres não só são responsáveis pela sua condição, mas constituem também um peso intolerável para um sistema económico que coloca no centro o interesse dalgumas categorias privilegiadas. Um mercado que ignora ou discrimina os princípios éticos cria condições desumanas que se abatem sobre pessoas que já vivem em condições precárias. Deste modo assiste-se à criação incessante de armadilhas novas da miséria e da exclusão, produzidas por agentes económicos e financeiros sem escrúpulos, desprovidos de sentido humanitário e responsabilidade social. (5)

Por vezes, decidir como proceder com os pobres não é fácil; o Papa lembra uma citação, bem exigente, de S. João Crisóstomo:

«O homem misericordioso é um porto para quem está em necessidade: o porto acolhe e liberta do perigo todos os náufragos, sejam eles malfeitores, bons ou como forem. Aos que se encontram em perigo, o porto acolhe-os, coloca-os em segurança dentro da sua enseada. Também tu, portanto, quando vês por terra um homem que sofreu o naufrágio da pobreza, não o julgues, nem lhe peças conta do seu comportamento, mas liberta-o da desventura» (Discursos sobre o pobre Lázaro, II, 5). (7)

 

Por coincidência, também o P. José Maria Brito, director do Ponto sj, na newsletter de 12 de Novembro, cita “inspiradoras palavras de São João Crisóstomo (347-407) numa das suas homílias, como modo de nos ajudar a preparar o Dia Mundial dos Pobres”:

Quereis honrar o corpo de Cristo? Não o menosprezais quando o encontrardes nu nos pobres, e não o honrais aqui no templo com vossos lenços de seda se, ao sairdes, os abandonais ao seu frio e à sua nudez. Porque, o mesmo que diz “Isto é o meu corpo” e com a sua palavra o levou à prática, foi o mesmo que disse “Tive fome e não me destes de comer”, e mais adiante “Sempre que o não fizeste a um destes pequeninos não mo fizeste a mim” […] De que serviria enfeitar a mesa de Cristo com taças de ouro se o próprio Cristo morre de fome? Dá, primeiro, de comer ao faminto e, depois, com aquilo que te sobejar, enfeita a mesa de Cristo.

 

E o P. Fernando Ribeiro, coordenador da Comissão do Apostolado Social dos Jesuítas, analisa a mensagem do Papa e faz algumas perguntas desafiantes, que se podem ouvir neste vídeo.

 

A homilia do Papa do domingo, 14 de novembro, exorta-nos a “organizar a esperança” e usar de compaixão e ternura para com os pobres, nos quais está Jesus, que nos espera.  Eis alguns excertos:

[…] Chegados aqui, perguntemo-nos: Que se nos pede, a nós cristãos, face a esta realidade? Pede-se-nos para nutrir a esperança de amanhã, curando a dor de hoje. Estão interligados: se tu não caminhas curando as dores de hoje, dificilmente terás a esperança de amanhã.

[…] Se a nossa esperança não se traduzir em opções e gestos concretos de atenção, justiça, solidariedade, cuidado da casa comum, não poderão ser aliviados os sofrimentos dos pobres, não poderá ser modificada a economia do descarte que os obriga a viver à margem, não poderão florescer de novo os seus anseios. Compete-nos, especialmente a nós cristãos, organizar a esperança […], traduzi-la diariamente em vida concreta nas relações humanas, no compromisso sociopolítico.

Irmãos, irmãs, aqui está a palavra que faz germinar a esperança no mundo e alivia a dor dos pobres: a ternura. Compaixão que te leva à ternura. Depende de nós superar o fechamento, a rigidez interior. […] levemos ao mundo este olhar de esperança. Levemo-lo com ternura aos pobres, aproximando-nos deles, com compaixão, sem os julgar – julgados, seremos nós. […] Porque neles, está Jesus, que nos espera. 

 

Da Ag. Ecclesia recolhemos testemunhos de algumas pessoas que lidam de perto com a questão da pobreza:

 

Eugénio Fonseca, que esteve à frente da Cáritas Portuguesa até 2020 e é actualmente presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado, publicou recentemente o livro Jesus representa todos os pobres – Subsídios para o Dia Mundial dos Pobres. A propósito do caminho sinodal que estão a iniciar as comunidades católicas, fala do lugar que aí devem ter os pobres:

Os pobres todas as semanas vão às nossas paróquias buscar o cesto dos alimentos, a roupa, mas depois não entram mais na igreja e este processo que estamos agora a iniciar deve incluir esta questão: os pobres fazerem parte das nossas comunidades.

Devíamos ter vergonha de deixar os pobres às portas das nossas igrejas a pedir esmola.

Aqui a entrevista completa à Ag. Ecclesia em 12 de novembro de 2021.

 

Maria Joaquina Madeira, vice-presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN)-Portugal, disse, entre outras coisas, em entrevista à Ecclesia e à Rádio Renascença que «não é admissível que entre nós haja pessoas que vivem com tantas dificuldades que não têm acesso aos direitos básicos»; e declarou que subscreve as palavas do papa Francisco de que a pobreza não é um “fatalismo” e os pobres devem ser “protagonistas” das soluções.

 

Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, salientou, por sua vez:

Temos muitas pessoas com emprego em situação de pobreza, isso é um murro no estômago.

As políticas sociais têm sido muitas vezes construídas com grande distanciamento.

Aquilo que temos de fazer é agir sobre a educação, sobre o emprego, e sobre a conjunção das políticas.

Pode-se ver o vídeo da entrevista.

 

Henrique Joaquim, gestor executivo da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, destacou que é importante ir no sentido oposto das situações de “assistencialismo”, por vezes excessivas, porque «ninguém tira ninguém da pobreza com um prato de sopa».

Dois milhões de pobres são dois milhões de pessoas e todas elas são diferentes; é preciso primeiro conhecê-las bem. É um quinto dos portugueses! Desses dois milhões, uma parte significativa são crianças, abaixo dos 10 anos…

Recordando Alfredo Bruto da Costa, que tanto se empenhou na luta contra a pobreza, acrescentou estas suas palavras: o cristão, «ao abster-se da intervenção política, demite-se do exercício consistente da caridade e da justiça».

 

No site do Vaticano, encontram-se todas as mensagens do Papa para o Dia Mundial dos Pobres, instituído em 2017:

 

“Papa assinala Dia Mundial dos Pobres” é o título de uma notícia da Euronews que inclui o vídeo que figura na nossa página de entrada.

 

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