E por isso deixamos aqui alguns apontamentos para suscitar uma reflexão séria sobre tanto que é motivo de escândalo e o muito que há a fazer e diz respeito a todos.
É toda a Criação que tem de ser respeitada e cuidada, todos os dias do ano, claro, mas o 8 de Março é uma jornada para celebrar a mulher em particular e, infelizmente, não cessa de ser ocasião para denunciar abusos e injustiças que recaem sobre mulheres e meninas de forma chocante, e aos quais ninguém pode virar as costas. O silêncio e a apatia são formas de conivência com os perpetradores dos abusos e contribuem para que as situações persistam.
Eis, pois, algumas achas para que não se apague em nós a chama da indignação perante a injustiça e os crimes e para reforçar a vontade de fazer o que estiver ao nosso alcance para prevenir as agressões e mitigar o sofrimento. Coligimos uma longa série de textos inspiradores e, por isso, sugerimos que vá lendo aos poucos, volte de vez em quando, não deixe cair no esquecimento.
Uma crise com rosto de mulher é o título do artigo de opinião do secretário-geral das Nações Unidas, no Público do Dia Internacional da Mulher. António Guterres aponta os problemas mais gritantes que causam ou resultam das disparidades que sacrificam primeiro as mulheres e meninas, e prejudicam afinal toda a humanidade. Uma das questões salientadas é a da exclusão, contraposta à «eficácia da liderança feminina»:
Em geral, quando as mulheres lideram governos, assistimos a maiores investimentos na protecção social e avanços mais significativos contra a pobreza. Quando as mulheres estão no parlamento, os países adoptam políticas mais eficazes de combate às alterações climáticas. Quando as mulheres negoceiam a paz, os acordos são mais duradouros.
Para Guterres, é indispensável resolver os desequilíbrios que afastam as mulheres do poder e de participarem nas decisões que as afectam. Um futuro melhor depende disso.
O processo de recuperação da pandemia constitui a nossa oportunidade de traçar um novo caminho mais igualitário. As ajudas à recuperação deverão ser especialmente direccionadas a meninas e mulheres.
Para o desejável «futuro inclusivo, verde e resiliente», o Guterres apela «a todos os líderes [para] que trabalhem em seis áreas estruturais», como pode ler aqui.
A assinalar a mesma data, o papa Francisco, em conversa com jornalistas no seu regresso do Iraque a Roma, afirmou com veemência: «Temos de lutar, lutar pela dignidade das mulheres.»
Quanto às mulheres, são mais corajosas do que os homens. É verdade; sinto-o assim. Mas ainda hoje a mulher é humilhada. Vamos ao caso extremo: uma de vós, não sei quem, fez-me ver a lista dos preços das mulheres… Eu não podia crer! Se a mulher é assim e assim, custa “x”; é o preço… de venda. As mulheres são vendidas, as mulheres são escravizadas. […]E isto acontece entre nós, os “instruídos”: o tráfico de pessoas. […] em parte da África, há a mutilação, há a mutilação como um rito que se deve fazer. Mas as mulheres ainda são escravas, e devemos lutar, lutar pela dignidade das mulheres. São elas que fazem avançar a história: isto não é um exagero. As mulheres fazem avançar a história. E não se trata dum elogio feito hoje no dia das mulheres; é verdade.
Também na carta encíclica Fratelli Tutti, ao falar dos direitos humanos «não suficientemente universais» (23), Francisco refere a injustiça da discriminação de género, recordando o que já afirmara na exortação apostólica Evangelii Gaudium:
De modo análogo, a organização das sociedades em todo o mundo ainda está longe de reflectir com clareza que as mulheres têm exactamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens. As palavras dizem uma coisa, mas as decisões e a realidade gritam outra. Com efeito, “duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos”.
«Não a qualquer forma de violência sobre as mulheres e as meninas!» é o brado do Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (MMTC), em mensagem no Dia da Mulher. Mensagem incisiva que denuncia a «violência contra as mulheres e meninas [que] acontece em todo o mundo» e se insurge contra o facto de que «uma grande parte da população mundial continua a considerá-la “normal”». E essa «violência, para além de minar a integridade da mulher, reduz o seu acesso aos serviços e recursos essenciais».
«Declaramos que esta violência é uma ofensa contra Deus, a humanidade e a terra», diz o MMTC. «Toda e qualquer violência contra as mulheres e meninas na Igreja ofende o corpo de Cristo e impede que ela seja fundamentalmente uma comunidade de mulheres e homens», acrescentam, recordando palavras do papa Francisco (homilia de 1 de Janeiro de 2020), que descreveu a violência contra a mulher como “profanação” e afirmou: «É através da forma como tratamos o corpo feminino que compreendemos o nosso nível de humanidade.» Ler mais aqui.
A liderança das mulheres cristãs ainda não é valorizada, sublinha Conselho Mundial de Igrejas, como relata um artigo de Joaquim Armindo no 7 Margens. Transcrevemos apenas uma frase que revela uma realidade inaceitável:
“De acordo com relatórios, as mulheres produzem 50 a 80% dos alimentos do mundo e representam mais de 50% da força de trabalho agrícola, mas 60% dos famintos crónicos do mundo são mulheres e meninas”, acrescentou Paula Likico, coordenadora do Conselho Cristão Conjunto do Uganda.
Partilhada pelo Graal e pela Fundação Cuidar o Futuro, aqui fica uma ideia inspiradora de alguém que, ao longo da vida, desenvolveu uma acção fecunda em prol da valorização da mulher. São palavras de Maria de Lourdes Pintasilgo, numa entrevista publicada no livro Women of Vision: Sixteen Founders of the International Grail Movement:
Todas estas experiências continuam a reforçar a minha convicção de que, ao longo do espectro que vai desde quem não tem nada a quem tem muito, a solidariedade das mulheres é qualquer coisa que temos de construir de forma clara. A nossa sobrevivência depende disto, de forma a criar outro mundo, outras regras, mecanismos, valores que dêem ênfase à nossa realidade a nível global e conduzam à criação de um mundo mais humano para todas as pessoas.
(traduzido do inglês)
O Mensageiro de Santo António também assinalou o Dia Internacional da Mulher com um artigo que mostra bem o sentido deste dia.
Os jesuítas, conta o Ponto sj, têm a partir de agora uma comissão que vai reflectir sobre o lugar e o papel das mulheres na Companhia de Jesus.
A Associação Santa Teresa de Jesus assinalou o dia 8 com um desafio encorajador a todas as mulheres. E transmite no Youtube a sua mensagem.
E tu, Mulher, conheces o teu valor? São nossos todos os dias do ano. A Associação Santa Teresa deixa-te esta mensagem, acreditando que junt@s faremos cada vez mais a diferença! O que define o valor e a dignidade de uma Mulher? Ouve e divulga a nossa mensagem.
“O grande medo das mulheres no mundo e na Igreja” é o título de um interessante artigo que o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura nos disponibiliza. Adriana Valerio, professora de História do Cristianismo e das Igrejas, conduz-nos numa viagem através dos tempos a partir de uma interrogação: «O medo em relação às mulheres foi, e ainda é em muitos contextos, um dos grandes medos do Ocidente. Também o é na Igreja? E em que medida?»